quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Lula no Piauí

Kenard Kruel Fagundes: No começo da fundação do Partido dos Trabalhadores, Albert Piauhy era um dos mais aguerridos tarefeiros. Era pau para toda obra. Dava conta das reuniões em Teresina e, de ônibus, carona, jegue, canoa, qualquer transporte que fosse pegava a estrada para pregar a boa nova pelo interior do Piauí. Poderia ter feito carreira como Pastor. Lula estava para morar em Teresina, de tanto vir à cidade. Mas, sempre que vinha, fazia dois pedidos, que eu fosse buscá-lo no aeroporto no meu fusca azul, conversível, cheio de poemas e com ferrolho de portão nas portas, e que andasse com ele, para cima e para baixo. E, não esquecesse a companhia do Albert Piauí. Lula tinha uma coisa com o Albert Piauhy que eu não sabia o que era. Os dois eram unha e carne. Fiquei de tocaia. Iria descobrir que raparigagem era aquela. Até que um dia, fomos fazer um palestra para o povo, no meio da praça pública de uma cidade do interior do Piauí. Fomos de ônibus. Não era muita gente, mas não cabia todo mundo no fusca azul. Era o começo do PT. Se fosse numa Kombi caberia. Lula e mais alguns companheiros sentaram-se nos bancos da frente. Eu e Albert Piauhy fomos para os bancos do fundo. Mal o ônibus deu a partida, Albert Piauhy abriu a boca da mochila, que carregava como se fosse a Helena de Troia. Tirou uma garrada de cachaça Mangueira. Meteu os dentes na rolha, puxou, abriu e o cheiro de espalhou pelo veículo, indo dar direto no nariz do Lula que, sem a menor cerimônia, deixou o papo que levava com os companheiros da frente e veio correndo para onde estávamos. Pediu uma dose, mais uma, mais outra e outras. Albert Piauhy sempre viajava abastecido de, no mínimo, dez garrafas de Mangueira. Ele e Lula tomaram as dez garrafas de Mangueira no percurso da viagem. Ele ficou inteiro, Lula, aprendiz de Mangueira, ficou, literalmente, uma mangueira derretida pelo solzão brabo do Piauí. Chegamos. Eu seguei o suvaco esquerdo do Lula e o Albert Piauhy o suvaco direito do Lula. O levamos até o palco, um caminhão caindo os pedaços, numa praça com meia dúzia de pessoas. Lula, como se tivesse falando para 500 mil pessoas nas portas das fábricas do ABC paulista, agigantou-se, nem parecia que tinha tomado todas, fez um discurso, como sempre, memorável. Dizer que foi aplaudido de pé seria redundância, porque as pessoas já estavam de pé. Na volta, eu via o Lula olhando para o Albert Piauhy, piscando o olho. Albert Piauhy fazendo o sinal com os dedos para baixo. Eu vi a cara de tristeza do Lula. E de zanga do Albert Piauhy. A final, Lula tinha zerado o estoque dele, da viagem de ida e volta. Mas, eles não contavam com a minha astúcia: como eu sabia que o Albert Piauhy gostava de uma Mangueira, estava com um estoque de cinco garrafas de Mangueira na minha mochila. Foi ai que o Lula disse: - "É, companheiros, somos Três Mosqueteiros". O quarto passou a ser o poeta William Melo Soares, que não mais se afastou de nós três. (Arte do genial cartunista pernambucano, de Recife, Carlos Araújo).

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